Nos meses de maio e junho do ano de 2010 os artistas Bruno Jacomino e Pontogor realizaram residências e exposições no Cariri cearense e em Fortaleza, respectivamente. O projeto foi uma proposição da curadora Beatriz Lemos com realização do Centro Cultural Banco do Nordeste.
Neste domingo, 27, artistas e curadora apresentarão a experiência de um mês em cada residência, as exposições e os trabalhos desenvolvidos no Ceará.































Entre a luz e a linha | Bruno Jacomino


Caminhando pela Rua São Pedro, na área mais comercial do Juazeiro, o sol chega rasgando à pele e interferindo no humor. As centenas de motoqueiros da cidade disputam a potência de seus carburadores e a cada esquina se escuta o agudo frenético do Aviões do Forró ou de um pagode da moda qualquer nas caixas de som que se reproduzem no alto dos postes. Hoje é sábado, porém os dias durante a semana também são assim: uma catarse de informações recebidas pelo corpo em um só instante. Sensação capaz de desligar o sujeito por alguns segundos e o corpo já começa a pedir sombra e solidão. Juazeiro do Norte é uma cidade com barulho que um dia pensei que fosse silêncio.
Aqui som é paisagem.
Uma paisagem que se apreende pelo ouvido é o lugar de pesquisa, já algum tempo, para Bruno Jacomino. A atenção ao limite dos sentidos e ao som como código vital de pertencimento, aporta a obra deste artista às ações banais de nosso cotidiano, mesmo que em um primeiro olhar se pareçam afastadas. Objetos e equipamentos encontrados no dia a dia familiarizam as ações do artista a práticas rotineiras comum a todos. Na galeria do CCBNB, Bruno fala de sua passagem de um mês pelo Cariri, comentando sobre dinâmicas de relações, construção de espaço e reconstrução dos sentidos elementos presentes em qualquer lugar do mundo.
A obra de Jacomino não se encaixa em definições de linguagens, por isso sua pausada e aprazível degustação. Arte sonora, escultura, instalação, intervenção, vídeo, fotografia, circuit bending e performance, mas também pode apenas ser música. Ao mergulhar em amplas referências - da estética eletrônica dos 80 às inovações da física quântica – Bruno rege seu processo de criação por uma ordem particular que ao mesmo tempo em que se disfarça no caos afina o tom de seu trabalho.
A exposição Entre a luz e a linha, soma suas diferentes pesquisas em uma vasta ocupação pelo espaço. O deslocamento do artista pelas cidades de Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha e Nova Olinda traduz-se em momentos pontuais dentro da obra, onde são visíveis as relações esculpidas e percursos desenhados que por motivos dispersos se conectaram a vivência do artista no Cariri.
O projeto de residência e exposição de Bruno Jacomino foi pensado como circunstância singular para um jovem artista experimentar: os trâmites interestaduais aos institucionais, a escolha de moradia, a convivência com artistas e inserção na cena de arte local, a ocupação e montagem em um grande espaço expositivo e a identidade nas peças gráficas coerente com sua poética. Uma oportunidade de amadurecimento de carreira e novas portas abertas para o trabalho.


Beatriz Lemos




Ação |Pontogor


“Ao invés de contar com a sorte (inspiração) mantenho-me preparado para ela”. Pontogor


Ação é uma exposição de mensagem direta. Sem muitos rodeios ou entrelinhas argumenta sobre a exuberância das formas, contenção de cores e beleza dos gestos. Nesta mostra tudo é propositalmente levado ao extremo: do máximo e do mínimo, atribuindo assim, a cada adjetivo, destaque e singularidade. As referências ao mar não estão presentes somente no grande volume de concreto que vemos ao entrar na galeria ou na vídeo projeção, mas também durante todo o percurso da exposição, influenciando o ritmo e processo do artista durante este mês de residência em Fortaleza.
Vive na praia de Iracema um monstro de ferro que de tão grande e imóvel parece um prédio dentro d’água. Ele está lá, solitário, parado na mesma posição há muitos anos e a qualquer momento pode se levantar.
Pontogor é tão objetivo quanto sua mostra. No artista os extremos tendem ao exagero e a completa capacidade de se adaptar e fluir a qualquer proposição fez com que claras características da cidade se tornassem determinantes em sua produção, alterando sua prática de idealizar e trabalhar. Fluxo e refluxo dos sentidos. Nesse devir pela capital cearense o encontro do acaso perfeito – próprio de experiências de residência – se traduziu na essência da brutalidade, estética perseguida pelo artista ao longo de sua carreira.
Um gigantesco bloco de ferro estático em pleno mar, ignorando o movimento da água, em uma distância da costa suficiente para que faça parte integrante da paisagem urbana de Fortaleza e ao mesmo tempo se encontre isolado, dificultando a percepção nítida de suas formas e detalhes (Imagem nonsense. Algo está fora do lugar). Situação que nos remete à visualidades de artistas como Richard Serra e Nelson Félix.
Trata-se do Mara Hope, um navio cargueiro que nos anos 1980 encalhou nesta costa. Suas histórias são muitas: veio do Golfo do México, se soltou da frota, esbarrou em outro naufrágio e etc., porém o que sugou a atenção de Pontogor durante este período em Fortaleza foi a materialidade de sua própria poética. Uma absurda simbiose visual entre sua pesquisa artística e significados e significantes que carregam este navio.
A relação de Pontogor com os objetos que manipula é de embate físico. Uma competição de forças, tamanhos e proporções. O corpo do artista em ação, principalmente quando este está em contínuo esforço, torna-se o elemento central da obra. Contudo, sua pesquisa não se assemelha às performances de body-art. O interessante para Pontogor é aportar o ato para imagem a partir do pensamento formal. A escolha certa por movimentos, texturas e cores em suas fotografias ou vídeos não somente as tornam imagens de apuro gráfico como conseguem extrair leveza no gesto bruto e sinceridade do esgotamento.
Em Ação, Pontogor resume em uma única mostra todos os meios com os quais costuma trabalhar: escultura, pintura, fotografia, vídeo, transfer e performance. Um amplo panorama de seu processo e pesquisa. Durante o mês de residência o artista realizou três obras a partir do contexto de Fortaleza, compartilhou com a cena de arte local e vivenciou a cidade. O desafio de experimentar o novo e retirar dele ferramentas para uma exposição individual faz desse projeto um importante momento na carreira de um jovem artista e, com certeza, uma experiência de peso (das dimensões de sua escultura) para qualquer indivíduo.


Beatriz Lemos